segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O intelectual e a ignorância.

Parece que o papel do intelectual é o de pensar aquilo em que o outro não está pensando. Não papel, ou não papel social exatamente, podemos discutir isso, o papel do intelectual são vários, e outros, nesse sentido. Mas falo do papel para si próprio, e aí tento fazer a velha e chata conexão entre o social e o individual, o que é bom para si, o que é bom para o todo, e como o bom para o todo dialoga com o bom para si para torná-lo viável (em última instância, toda uma megalomania ética em função do não-me-mate e dê-me um orgasmo, mais ou menos somados). Ou talvez não seja papel a palavra, e sim sintoma, ou talvez seja mesmo papel, e social, um deles, isso de virar a luneta de lado, reajustar o foco, visualizar uma nova galáxia, demonstrar que não se trata de nova galáxia, nem de luneta, e sim de olho nu, aliás, voltado para si próprio, sendo que eu talvez não exista. 

Pensar aquilo em que o outro não está pensando, o que não é muito diferente de servir de fonte de inspiração, destrancar idéias presas em esquemas mentais mais ou menos rígidos, perceber novos esquemas possíveis, quando não simplesmente reativar partes perdidas da memória, tentar trazer tudo a tona, fazer guerra contra esquecimentos forçando o outro a pensar, repensar, lembrar, de tudo.

Querer pensar aquilo em que o outro não está pensando. Se pensarmos no intelectual como vendedor, comerciante de criatividade, intelectualidade como espetáculo ou circo - nem sempre vendida como circo, muitas vezes comprada como circo, e aí o comprador reproduz o mercado mais do que o produtor, usando o instrumento revolucionário através do não-uso, da não-prática que é a circização da idéia que se propunha prática -, o comerciante de criatividade quer surpreender seu consumidor, trazer na idéia o novo - e agora o intelectual adere ao circo quando não quer a revolução e não aceita soluções já dadas, e busca novas pois novas ainda são necessárias posto que ainda não houve a revolução, e por ele nunca haverá - e quase como poeta, depende da distorção da palavra - veja bem, não disse da realidade, disse da palavra, algo como trocar sujeito e predicado de lugar -. de adivinhar o pensamento do outro que seria uma espécie de senso-comum, esse estranho clube ao qual não pode aderir para evitar o tedioso fenômeno da comunicação - o intelectual então vai preferir descomunicar, criar o desentendimento para que o leitor deixe o fluxo automático de seus pensamentos e tente se recriar, reinventar seu próprio senso, agora menos comum, isso ao menos se pensarmos em comunicação real como mera redundância e não mais do que redundância -, adivinhar o pensamento do outro e então, enfim, esse giro de pescoço, essa paralaxe obsessiva, a mesma do cineasta que refilma, o mesmo lugar, mesma história, mesmas pessoas, não interessa, o que se quer é o outro ângulo pois que daqui desse lado o pôr-do-sol é completamente diferente do pôr-do-sol do seu lado, mas sim, é o mesmo sol. 

Pensar aquilo em que o outro não está pensando. Como inventar a ignorância do outro. Fabricar o seu desconhecimento através do meu, absolutamente inédito.

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