terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Pragmatismo e idealismo

Pragmatismo e idealismo, me vem o Thom York agora com essa oposição. E não sei se há realmente oposição, ou talvez haja dependendo de como interpretarmos os termos. Enfim, pressupondo que o Thom parte da idéia de que há oposição, danem-se os pragmáticos e os idealistas e me volto agora para o que é a oposição do Thom. De forma simplificada, posso encaixar o pragmatismo na idéia de busca pelo melhor caminho para os devidos fins, o mais adequado de acordo com suas teleologias. O problema seria então aonde (des)encaixar o idealismo, que em princípio aparece (na minha cabeça) como a ação em função de um ideal, sendo ideal um parâmetro que norteia suas ações no mundo e, portanto, um fim possível e que poderia ser tratado pragmaticamente. 

Penso que o antagonismo, a dualidade que o Thom propõe está na associação, bastante vigente, de idealismo com ruptura com a ordem, idealismo associado a subversão, um não-acomodamento do indivíduo na confortável correnteza que o leva, e que assim poderia enfim se opor a um pragmatismo conservador, o pragmatismo de quem se aproveita da ordem e da normalidade, e então oporíamos o jogar de acordo com as regras ao jogar fora delas, usando manual clandestino, escrito a próprio punho (ou punhos alemães do século XIX, também muito frequente). Me vem a mente a imagem de um pragmático confortável em poltronas constitucionais contra um idealista sempre em pé, marchando, com rumo pragmaticamente definido, mas marchando, sob o sol e sobre calos. 

Mas o idealista age em mundo próprio. Está cercado de idealistas com sua própria normalidade idealista, aliás, se fossem aldeia isolada sua subversão seria norma, não haveria poltrona que a opusesse, e a marcha a pé seria uma confortável caminhada pragmática. 

Pragmatismo e idealismo. Querendo pô-los, ainda, em oposição, e penso na velocidade, na rapidez do pragmatismo, o fim da ação ao alcance das mãos, o apocalipse do desejo devidamente mapeado por pensamentos ordenados burocraticamente para que o desejo, posto em linha de montagem, em prazo calculado alcance o devido orgasmo. Idealismo seria então lentidão, o desejo jogado no mundo para jamais se transformar, a ação que jamais termina, não se sabe como realizá-la, talvez isso sequer seja possível, os meios que levam ao seu fim podem estar obstruídos por forças maiores, o mundo se transforma em discutir as obstruções, cria-se uma cultura de resistência ao real, talvez seja menos uma marcha lenta adiante do que um grande esforço para evitar sua transformação em marcha a ré. Quando o pragmático atinge sua finalidade, move-se rumo a próxima. Seus desejos, afinal, estão pouco interligados, são dispersos em inúmeros manuais de instruções, e se há uma grande lista, ela se divide em início, em meio, e em fim, um último café antes da morte, e quando soma-se as partes de sua vida, o que se tem é menos um todo do que as próprias partes. Já quando o idealista atinge sua finalidade, ele, seu mundo, sua sociedade entra em colapso, sua vida passa a precisar de uma revisão semântica, a própria realização de sua finalidade lhe parece questionável, ele tende a não reconhecer o éden como éden, o orgasmo como orgasmo, lhe disseram, afinal, que havia mais, e o ideal, afinal, não foi de fato atingido, são afinal tantas obstruções, e é com elas que, afinal, se tem de preocupar, e quando soma as partes de sua vida, encontra, sim, um todo, ainda que incompleto, a revolução ainda por vir. O pragmático prefere reconhecer-se no éden, aceita que teve um orgasmo ainda que tenham lhe dito, afinal, que havia mais, e ele aceita que não, não há mais nada, se frustra, ou se convence de sua própria felicidade, ou convence aos outros dependendo de com quem sua preocupação é maior, de quem a felicidade foi comprada, ou com aquele para quem foi vendida. Um bebe obstáculos. O outro bebe soluções. Um bebe Coca-Cola. O outro não-bebe Coca-Cola. Os dois matam a sede. Os dois terão sede novamente mais tarde.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O intelectual e a ignorância.

Parece que o papel do intelectual é o de pensar aquilo em que o outro não está pensando. Não papel, ou não papel social exatamente, podemos discutir isso, o papel do intelectual são vários, e outros, nesse sentido. Mas falo do papel para si próprio, e aí tento fazer a velha e chata conexão entre o social e o individual, o que é bom para si, o que é bom para o todo, e como o bom para o todo dialoga com o bom para si para torná-lo viável (em última instância, toda uma megalomania ética em função do não-me-mate e dê-me um orgasmo, mais ou menos somados). Ou talvez não seja papel a palavra, e sim sintoma, ou talvez seja mesmo papel, e social, um deles, isso de virar a luneta de lado, reajustar o foco, visualizar uma nova galáxia, demonstrar que não se trata de nova galáxia, nem de luneta, e sim de olho nu, aliás, voltado para si próprio, sendo que eu talvez não exista. 

Pensar aquilo em que o outro não está pensando, o que não é muito diferente de servir de fonte de inspiração, destrancar idéias presas em esquemas mentais mais ou menos rígidos, perceber novos esquemas possíveis, quando não simplesmente reativar partes perdidas da memória, tentar trazer tudo a tona, fazer guerra contra esquecimentos forçando o outro a pensar, repensar, lembrar, de tudo.

Querer pensar aquilo em que o outro não está pensando. Se pensarmos no intelectual como vendedor, comerciante de criatividade, intelectualidade como espetáculo ou circo - nem sempre vendida como circo, muitas vezes comprada como circo, e aí o comprador reproduz o mercado mais do que o produtor, usando o instrumento revolucionário através do não-uso, da não-prática que é a circização da idéia que se propunha prática -, o comerciante de criatividade quer surpreender seu consumidor, trazer na idéia o novo - e agora o intelectual adere ao circo quando não quer a revolução e não aceita soluções já dadas, e busca novas pois novas ainda são necessárias posto que ainda não houve a revolução, e por ele nunca haverá - e quase como poeta, depende da distorção da palavra - veja bem, não disse da realidade, disse da palavra, algo como trocar sujeito e predicado de lugar -. de adivinhar o pensamento do outro que seria uma espécie de senso-comum, esse estranho clube ao qual não pode aderir para evitar o tedioso fenômeno da comunicação - o intelectual então vai preferir descomunicar, criar o desentendimento para que o leitor deixe o fluxo automático de seus pensamentos e tente se recriar, reinventar seu próprio senso, agora menos comum, isso ao menos se pensarmos em comunicação real como mera redundância e não mais do que redundância -, adivinhar o pensamento do outro e então, enfim, esse giro de pescoço, essa paralaxe obsessiva, a mesma do cineasta que refilma, o mesmo lugar, mesma história, mesmas pessoas, não interessa, o que se quer é o outro ângulo pois que daqui desse lado o pôr-do-sol é completamente diferente do pôr-do-sol do seu lado, mas sim, é o mesmo sol. 

Pensar aquilo em que o outro não está pensando. Como inventar a ignorância do outro. Fabricar o seu desconhecimento através do meu, absolutamente inédito.