terça-feira, 20 de abril de 2010

Grandes paixões

Lendo o Ulrich, de Musil. Essa coisa do amor não como um amor físico, Ulrich nega o físico do amor, mas do amor como um estado, um estado mental, ontológico e que nada tem a ver com a pessoa amada em si. Não é tão diferente das acepções da antropologia de um Deus que, de fato, nada tem a ver com sua própria existência, e sim com aquilo que ele cria em seus próprios criadores - um Deus como um estado mental, ou no caso, como um estado social.

Consigo visualizar essa equiparação bem. O amor que conheço, especialmente quando platônico, ou seja, quando essencialmente voltado para um estado psicológico, é um amor criador de sentido, pequeno motor da existência, e que me faz querer ser, fazer algo, viver algo, ou viver, simplesmente.

Tentando olhar para esse amor com mais clareza, penso nele como uma espécie de metáfora individualizada do outro, uma idealização de um outro para o qual faz sentido viver, posto que afinal, sem que haja esse outro, ao menos esse UM outro, ficamos a um passo de negar a si próprio. Sim, o amor, esse amor de Ulrich, é o amor que simula esse outro, divino, ideal, e que nos move também de forma ideal, pura, bela, pois tais são também as qualidades desse amor. No fim das contas, não tão diferente, nem menos abstrato que a noção de divindade.

O ponto é esse, é essa semelhança exagerada entre ambos. E pensar que no fim das contas não importa tanto o humano, mas a simulação do humano, não tanto o outro, mas a simulação do outro dentro de si, muito mais limpa, e muito mais clara do que a realidade da experiência da alteridade.

A comunicação com o outro é mais fácil, mais limpa, quando se trata do outro dentro do próprio eu, do estado mental do outro - sim, de um monólogo, em outras palavras.

Também podem ser amor os cenários, situações de vida, ideais de si próprio. Ou no caso, e sem dúvida sempre, amam-se expectativas do outro, ou um outro podado, filtrado das partes que não lhes caem bem, desde que o outro não insista em quebrar essa imagem através da fala, do diálogo, que tanto interrompe nossas simulações.

Com pessoas físicas, reais, essa idealização do outro é sem dúvida mais difícil, justamente devido às constantes interrupções que a realidade faz, manipulando nosso imaginário até os exíguos limítes de nossa árdua criatividade.

Nossa grande paixão, sem dúvida é o futuro. Ele jamais está presente para estragar nossa imaginação.

Um comentário:

Lasevitz disse...

Engraçado perceber que este post tardio (reativar o blog, quem sabe?), ainda que com outras palavras, outras inspirações (outros passarinhos sofistas, sem dúvida), seja tão a-mesma-coisa que o post inaugural deste blog, de um ano meio atrás.

Por que essa minha insistência em me lembrar que o outro não é nada, mas que precisamos dele ainda assim?